O romance ‘’Aparição’’, escrito por Vergílio Ferreira e publicado em 1959, aborda vários assuntos, entre o quais o mais presente e relevante é o existencialismo - uma temática filosófica que se caracteriza pela centralização na razão que está por detrás da existência de cada um, apelando-nos para a descoberta e para a aprendizagem constante sobre a mesma. O existencialismo pode, efetivamente, dividir-se em dois níveis: o cristão, que defende que o universo é paradoxal e que o seu maior paradoxo é a união transcendente de Deus; e o ateu, que revela uma crença na morte de Deus e no facto de a divindade se encontrar em cada um, individualmente, e não num ser poderoso. Este aspecto revela ainda que com a existência de Deus negada, todo o fundamento universal desaparece, o que proporciona a subjetividade da moralidade de cada um, dando esta origem a uma maior fragilidade e à angústia humana.
Nesta obra, existem várias personagens, ainda que apenas duas sejam consideradas principais - Sofia e Alberto. Para além destas, Cristina e Ana, com quem Alberto estabelece uma forte e intensa relação, Carolino, D. Moura, Chico, Alfredo - o marido de Ana, Tomás e Evaristo - irmãos, e ainda os pais de Alberto.
Esta peça literária começa por envocar uma memória de Alberto, em que este alcança a primeira aparição da sua vida. Esta aparição consistiu no avistamento do seu próprio reflexo num espelho, após ter julgado que estaria um ladrão no quarto com ele. Assim que Alberto percebe que não se tratava de nenhum ladrão, mas sim dele próprio, revela um grande choque e espanto perante a situação.
Sofia, filha do casal Moura e, consequentemente, irmã de Ana e de Cristina, era muito diferente de toda a sociedade considerada normal e este era um aspeto que a perturbava, porque a sociedade a impedia constantemente de ser como queria, mesmo que na maior parte das vezes isso não fosse muito significativo para ela. Fisicamente, Sofia é caracterizada pela vivacidade dos seus olhos, pela intensidade do seu corpo e pela sua excessiva e ‘’demoníaca’’ beleza. Psicologicamente, revela-se uma mulher provocadora e independente, ainda que se subentenda a sua solidão e angústia perante o rumo da sua vida em várias passagens do texto. É uma mulher que marca toda a gente que com ela se cruza, seja por que razão for, o que revela o seu lado misterioso e fascinante. Demonstra ser uma mulher que não se entrega a ninguém por completo, nem deve explicações a ninguém. Encontra-se um certo desejo malicioso de autodestruição presente na sua alma, que se compreende por entre as suas passadas tentativas de suicídio, e que se revela no seu carácter desafiador para com a própria vida. Sofia é, assim, vista como uma aberração, por todo o contraste existente entre ela e qualquer uma das suas duas irmãs. É o oposto do comum, do suposto comum social. Ela gosta de ser assim, gosta de ser e de marcar a diferença, gosta de causar impressões nas outras pessoas, sejam elas quais forem. Toda ela é um enigma, impossível de descodificar. Entende-se o seu secretismo através de toda a aura pecadora, escura e misteriosa que a rodeia.
Alberto, o protagonista da história, está a viver uma crise existencial, procurando, intensamente, atingir a compreensão da razão por detrás da sua existência. Está, então, aqui presente o existencialismo ateu, que o acompanha ao longo de toda a narrativa. Alfredo declara que, com a existência de Deus negada, todo o fundamento universal desaparece, o que proporciona a subjetividade da moralidade e uma maior fragilidade humana. Esta personagem ultrapassa as limitações que a realidade lhe impõe, com o seu desafio moralista à vida. Defende a liberdade humana e acredita na transcendência, isto é, acredita em fazer um percurso que vá mais além do seu ‘’eu’’, viajando pelo conhecimento de outras realidades, e descobrindo o que é desconhecido. Além disto, revela-se um homem muito intelectual, culto e pacífico.
A relação entre Sofia e Alberto começa através das lições de Latim que ensinava a Sofia, apesar de rapidamente se terem desenvolvido vários sentimentos de forte atração entre os dois. A relação de desejo carnal que ambos partilham parte dos encantos sedutores de Sofia, aos quais Alberto não consegue resistir. Existe uma forte e intensa conexão entre ambos, tanto a nível físico como intelectual, visto que ambos encaram a vida de forma extremamente peculiar. Assim, partilhavam uma relação amorosa, agressiva e violenta. Não se tratava de uma obsessão, mas da irresistibilidade de um para com o outro. Ardentemente apaixonados um pelo outro, Sofia e Alberto traduziam perfeitamente todos os sentimentos que nutriam um pelo no outro nas suas interações, através do toque e do olhar.
Quanto à relação de Alberto e Ana, esta diferencia-se em muito da relação partilhada por Alberto e Sofia. Enquanto Sofia desperta em Alberto uma atração erótica, Ana aviva-lhe uma afeição intelectual. Ana era a filha mais velha do Dr. Moura, e era muito culta, conhecia muito sobre a literatura. Era casada com Alfredo, que a admirava como mais ninguém, apesar de ser um pouco pobre de espírito. Assim, estabelecia-se uma certa diferença entre a relação que Ana tinha com o marido e com Alberto, visto que Alberto alimentava o lado intelectual de Ana e vice-versa, enquanto que o marido não se preocupava com os assuntos existenciais que lhes percorriam as veias.
Cristina, a filha mais nova de Dr. Moura, encantava Alberto com a suave e harmoniosa melodia que escapava do piano por entre os seus pequenos dedos, com o qual partilhava também uma relação de cumplicidade e afeto. A música, que aparece na obra através desta personagem, representa um dom da revelação humana, visto que o próprio protagonista revela uma vontade quase urgente de desabar em lágrimas quando ouve a pequena rapariga tocar. A sua arte é, então, muito valorizada, e, com o facto de Alberto desejar sempre ouvir mais e mais do talento de Cristina, cria-se, então, uma grande relação. Quando esta morre, Alberto revela uma grande perturbação. No entanto, como existencialista, defende que a memória a pode trazer de volta à vida, visto que a morte, tanto espiritual como física, é definitiva, e não existe vida depois da inevitável morte.
Carolino, aluno de Alberto, é nos apresentado como um louco de ideias peculiarmente estranhas e de uma certeza conotação desequilibrada. Estas ideias são reflectidas através da conclusão a que este chega de que o Homem é Deus porque tem o poder de destruir e matar nas suas mãos, visto que defende que matar é igual a criar. Com a sua absurda confiança na loucura, Carolino mata uma galinha. Entretanto, Carolino, também conhecido como o Bexiguinha, desenvolve com Sofia uma relação amorosa paralela àquela que ela estabelece com Alberto. Carolino começa, então, a encarar Alberto como um rival, revelando um carácter rude e hostil para com o mesmo. Como percebe que não lhe consegue tirar a sabedoria, da qual tem tanta inveja, tira-lhe a sua maior inspiração: Sofia, assassinando-a.
Pessoalmente, considero que esta obra é muito importante de aprofundar, não só pela sua história mas, maioritariamente, por todo o conteúdo que se encontra escondido e subentendido por entre as falas e por entre os pensamentos e histórias de cada personagem. Toda a aura existencialista que rodeia Alberto ensina-nos uma nova perspectiva de encarar a vida, que, pessoalmente, desconhecia.
Quanto ao resto das personagens, penso que também nos proporcionam várias lições. Carolino, por exemplo, defende as suas crenças, e demonstra, assim, uma nova maneira de perspectivar o Mundo e as nossas ações.
Deste modo, considero que a história é um pouco vaga, e por vezes até confusa. Não sinto que tenha recebido, por completo, a mensagem que o autor pretendia transmitir aos leitores. Não consigo afirmar que tenha entendido bem o porquê de o título deste livro ser ‘’Aparição’’, ainda que consiga compreender que se refere ao aparecimento das mais diversas coisas ao longo da nossa vida. Não consigo afirmar que tenha compreendido toda a matéria existencialista, na qual Alberto acreditava, por ser, na minha opinião, um pouco vazia, confusa e inconstante.
No entanto, apesar de toda a minha dificuldade em descodificar as intervenções materialistas de Alberto, gostei da obra pela presença do materialismo, a ausência da religião e pela maneira peculiar de encarar todo o processo de vivência do ser humano.
Concluindo, esta obra romântica possui vários pontos de vista de acordo com a essência da origem da vida, levantando certas questões sobre as quais cabe a cada indivíduo fazer a sua própria reflexão e, dessa forma, chegar às suas próprias conclusões sobre as suas crenças na vida, na morte e em Deus.
Biografia:
http://www.infopedia.pt/$aparicao
http://www.significados.com.br/existencialismo/
http://faroldasletras.no.sapo.pt/aparicao_personagens.html